quinta-feira, 10 de março de 2011
Entrevista com Diego El Khouri

1 - Poesia em fanzines são tradicionais no Brasil, não?
DK:  Os primeiros fanzines sempre foram voltados pra ficção científica.  Inclusive no Brasil um dos primeiros fanzines pertencia a um clube que  se chamava Intercâmbios Ciência-Ficção Alex Raymond, de  Porto Alegre . A  tendência desse tipo de mídia era essa mesmo. Até porque a ficção  científica era encarada de forma torta, como uma sub arte, o que  propiciou o surgimento de vários folhetins alheio a mídia convencional.  Com a intensificação da cultura alternativa, surgimento de novos  artistas, a contracultura e todos movimentos que surgiram,  principalmente no fim dos anos sessenta, culminou no boom de produções  alternativas atingindo seu auge na metade da década de 80. Mas a  intenção quando se trata de algo que não é preso nem moldado nas regras  pré estabelecidas é diversificar a coisa. Foram surgindo idéias,  pensamentos, visões diferentes, momentos  em que a linguagem principal   nos zines eram as HQs, outros momentos em que  eram as bandas de rock   que perambulavam em quase todas as páginas contraculturais e também  épocas de produções voltadas pra política sempre com um olhar  anarquista. Então, por que dentro de todas essas abordagens a poesia não  teria seu espaço, não teria sua voz? Agora posso falar de minha época,  de meu tempo . Além de produzir tenho acompanhado muitos fanzines Brasil  todo. Vejo uma diferença sutil na forma de falar de determinados temas,  mas a função é a mesma. O underground hoje quer se expressar de forma  politizada, porém agregando várias maneiras de atingir “os demônios da  dominação”. Hoje em um único zine você vê, poesias, contos, entrevistas,  textos teóricos, manifestos, mesclando todas as facetas da arte num  único material. O compromisso com o fanzine é simplesmente com a  liberdade de expressão, luta social e conscientização do pensamento  humano. Existe uma galera muito boa produzindo arte de  qualidade no  Brasil todo. Basta abrir os olhos e “as janelas da alma”.

2 - Como é o processo de criação dos seus fanzines, com as colagens e tudo mais?
DK:  Meu processo é contra o sono, o marasmo e o pensamento reacionário.  Arte tem que fugir do lugar comum e da mesmice. O fato de não poder  dormir é uma alegria e uma tragédia ao mesmo tempo. É através do não  dormir que surgem as idéias, os tormentos e principalmente os pesadelos.  Algumas pessoas temem o pesadelo, procuram fugir de sua dor, usam  máscaras,se policiam, roubam ar alheio. Como não durmo meu pesadelo  é o  real, a centelha divina que me foi negada. Produzindo meus desenhos e  quadros, trabalho  minha psicologia visual e com ela transfiro para a  linguagem do zine. Meu único compromisso é com  a arte. Independente de  qual seja. Produzo portanto meus fanzines durante as madrugadas  solitárias, o frio escuro da noite, e o processo é baseado na forma  clássica. Colagens, figuras desconexas, entrevistas, poesias, contos,  delírios poéticos, sacanagens e por aí vai. Tanto o Molho Livre quanto o   Cama Surta é dessa forma. Em ambos o que muda é a temática. Apenas  isso. Mas algo irá mudar. O bom do fanzine é a metamorfose. “Somos  tântalos na busca insaciável” como digo num texto. Meus zines são  totalmente manuais e não procuro seguir uma forma rígida e contínua.  Cada edição é um mergulho diferente, um novo desbravamento, a busca do  diferente, do estranho,  pelo olhar não familiar. Na constatação  filosófica de Schopenhauer a arte opera como uma espécie de redenção e  só nela reside a felicidade total. Se eu conseguir ultrapassar as portas  que fecham a mente humana terei realizado meu objetivo.

3 - Como é a sua relação com os blogs e os zines xerocados?
DK: O blog Molho Livre  é uma viagem totalmente diferente do zine impresso. Não desmereço  nenhum nem o outro. Cada um forma o quebra-cabeça que compõe minha  identidade, formam o conjunto de minha obra. Costumo dizer que pra me  conhecer a fundo é necessário conhecer minha arte. É onde me desnudo  todo sem pudor algum. Mesmo essa raiva por muita coisa que me cerca eu  continuo resoluto em minha jornada. É como um maníaco obsessivo atrás de  sua vítima. Trago comigo inúmeras cicatrizes na alma e cada corte é um  verso que transponho para o papel. Portanto o blog é um livro em  andamento como o zine. A maior diferença seja a quantidade de trabalhos.  O blog é superior nisso, pois todo dia praticamente coloco texto novo e  o zine xerocado é de acordo com meu orçamento. Eu sou um daqueles seres  bárbaros que sempre lutarão para o fanzine impresso existir.

4 - Ainda distribui os zines pelo correio e nas ruas da cidade?
DK:  No meu primeiro fanzine que se chamava Vertigem eu distribuía em shows  de rock, de mão em mão  e via correio. Descobri que só os que eu mandava  pelo correio eram lidos. As pessoas às vezes nem olhavam para o  material e jogavam fora. Nem pra limpar a bunda com meu zine (risos).  Glauco Mattoso, grande mestre, me mostrou também a importância de  direcionar seus leitores. Não acho ruim de forma alguma ser criticado. O  que eu não entendo é as pessoas antes de lerem, rasgarem e  jogarem  no  lixo. Mas, tranqüilo. O lixo é o receptáculo da poesia... (risos).

5 - E quais zines você edita atualmente?
DK:  Eu edito o Cama Surta, que costumo definir como “folhetim coprofágico  filosófico desimportante” ou cagatório de experimentos” e o Molho Livre.  O negócio é produzir sempre! Mas como uma das características do  fanzine é união, volta e meia poemas de minha autoria vão aparecendo em  outros zines e blogs. É como uma teia onde as idéias se abraçam e viram  colo. E além disso quero retornar a produzir o Vertigem e tem mais um  outro fanzine em vista. 

6 - E o Coletivo Zine?
DK:  O Coletivo Zine surgiu da mente visionária  do zineiro e amigo Wagner  Teixeira do Anormal zine. É como uma teia onde as idéias se abraçam e  viram colo. O blog está aberto pra quem tiver afim de participar. 
 7 - Tem descoberto muitos novos fanzines e fanzineiros?
7 - Tem descoberto muitos novos fanzines e fanzineiros?DK:  Claro. Só pra ter idéia, produzir fanzines me levou no final de 2010  para o Rio de Janeiro. Eu que sempre fiquei perdido e esquecido nas  paisagens bucólicas de um interior do estado de Goiás me vi lançado no  caos urbano desenfreado. Lá conheci vários fanzineiros pessoalmente.  Alexandre Mendes, Winter Bastos, Fabio da Silva Barbosa, Eduardo Marinho  e Wagner Teixeira. Há outros fanzineiros que conheço através de  encomendas via correio e pela internet. Sinto os cacos se juntando.

8 - Você mantém contato com os fanzineiros tradicionais de Goiânia, como Márcio Jr, Oscar F. e a Flávia?
DK:  Eu sou o filho da exclusão. É como se meus olhos estivessem roídos e do  meu peito jorrasse sangue. Uma metáfora bem propicia para explicar o  sentimento de bandido coagido que sinto em meu meio. Não conhecia nenhum  fanzineiro em Goiania e com o advento da internet fui conhecendo muita  gente de fora. Nos saraus de poesia que eu participava eu era visto como  um lobo obscuro ou o filho do demo. As pessoas se chocavam com minha  presença. Todo lugar que eu entrava saía deixando uma interrogação na  cabeça das pessoas. É preciso sair de dentro de si mesmo para se  conhecer, da mesma forma que é preciso sair de seu ninho pra conhecer  sua casa. Chegando do Rio de Janeiro a primeira coisa que vi em minha  casa foi um envelope que continha alguns exemplares do Fragmentos de  Pensamentos ou Pensamentos Despedaçados  de Ivan Pedro, um cara de  Goiânia que mandei o Cama Surta por correio. Até o presente momento,  mesmo estando perto, nos comunicamos apenas através de internet e  correio. Soube recentemente que a loja Hocus Pocus, que vende artigos  underground em Goiania, desde os anos 80 ajuda na divulgação de zines,  até parte do Xerox financiam. Agora estou fincado mais em minhas raízes  participando de movimentos e tal. Quero que alguma coisa se arrume.
 9 - Quais as suas expectativas poéticas e zineiras para 2011?
9 - Quais as suas expectativas poéticas e zineiras para 2011?DK: Publicar meu primeiro livros de poesias, continuar produzindo meus zines e expondo meus quadros. Um beijo certo no destino.
 
  
Diego El Khouri
ResponderExcluirAlguns de meus trampos http://fanzinotecamutacao.blogspot.com/2011/03/entrevista-com-diego-el-khouri.html
Fanzinoteca Mutação: Entrevista com Diego El Khouri
fanzinotecamutacao.blogspot.com
Esta iniciativa integra o Prêmio de Interações Estéticas 2009 - Residências Artísticas em Pontos de Cultura - FUNARTE - Artista proponente: Law Tissot - Ponto de Cultura ArtEstação - Rio Grande RS - Projeto premiado: Resgate das múltiplas linguagens do Fanzine e suas relações com as poéticas visu...